quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Carta para Albion

Meu prezado irmão, Albion...

Eu espero que esse pergaminho chegue, um dia, às tuas mãos. Perdoe-me as rasuras. Escrevo-o às pressas e trêmulo. Não tenho muito tempo e tenho muita coisa para compartilhar aqui. 

Alberich, paladino de Splendor

Sempre tentamos fazer tudo que estivesse ao nosso alcance para garantir a mesma bênção evidenciada durante tantas gerações em nossa família. Nascemos em berço de ouro, protegidos pelos exércitos de Azran, pois, nosso pai, Frederich, e nossa mãe, Marion, foram campeões de suas casas e lutaram tão bravamente contra as criaturas que, na época, ainda se mantinham fracas, impedidas pelo poder dos anjos que emanava das muralhas. Eles se uniram em matrimônio e ergueram a confiança que seria mantida em nossa linhagem pelos próximos tantos anos, até que nós, seus filhos, pudessem abraçar o mesmo milagre que um dia nosso deus Splendor reservou à eles.

Eu tive a sorte de ser abençoado pelo esplendor de nosso deus, tão cedo. Embora tenhamos quase a mesma idade, eu não tenho a audácia de lhe dizer que seus feitos são menos merecedores do que os meus. Ao contrário, irmão, eu acredito que Splendor tenha um plano muito maior para você. Eu acredito que a sua provação deve ser maior do que a minha. Carrego em meu peito o orgulho de ter lutado tantas vezes ao lado de alguém que julgo carregar um espírito cheio de força e união tão mais raro do que o meu. Quando a sua hora chegar, gostaria de estar ao seu lado, compartilhando da mesma fé, mas, ao que tudo indica, nossas almas não existirão no mesmo plano por muito mais tempo.

Se este pergaminho chegou às suas mãos, significa que estou morto e que esse segredo precisou ser passado para alguém de confiança. E em quem eu teria mais confiança do que meu próprio irmão? Albion, talvez, você tenha mais sabedoria do que eu e, talvez, saiba o que fazer com a história que estou prestes a lhe contar...

Assim que abençoado por Splendor, minha missão foi efetivada: eu deveria proteger a família de nosso Lorde, mesmo que isso custasse-me a própria vida. Nossa mãe, Marion, tinha bons entendimentos com a Rainha e isso colaborou para que eu fosse parte da incansável vigília à senhora de nosso reino. Mantive-me atônito à segurança da Rainha, dia e noite, como um soldado deve fazer.

Certa noite, durante meu período de vigília, senti um calor agradável vindo de uma brisa do norte. O zéfiro é sempre frio e tenebroso, ainda mais quando sentido do alto das muradas de Brastav, que alcança muitos metros de altura. Aquilo me deixou alerta. Resolvi averiguar a situação pelos corredores do castelo até que tive a impressão de ter notado um grande clarão sair pelas fissuras do quarto da Rainha.

Eu me aproximei furtivo, do jeito que pude. Espada e escudo em mãos. O peito convencido pela coragem de minha bênção. Encostei-me contra a parede de uma das torres e vi minha Rainha perambulando, às pressas, pelos corredores, ainda em trajes de dormir, descalça. Ela subia as escadarias até o andar superior daquela torre abandonada.

Eu poderia ter chamado a sua atenção, mas, temi que se fizesse aquilo poderia estar me contrapondo à vontade de um superior. Eu a segui, pois, também não tinha certeza se a Rainha estava sã. Agi nas sombras como nunca havia feito, escondido da presença daquela que precisava proteger. Então, me deparei com uma cena que nunca, nem em um milhão de anos (se assim eu pudesse viver), desapareceria da minha mente mortal.

Era Mikhail, o arcanjo de Splendor, em seu manto de prata e ouro, uma auréola de luz divina que brilhava como as chamas do sol e um par de olhos que se contrastavam, como uma fonte de sabedoria eterna e o terror de uma guerra infinita. Ele apresentou-se à Rainha de braços abertos e ela o encarou compadecida.

- Aqui está o resultado de suas súplicas, Rainha de Azran. Aqui está o fruto de um amor egoísta, que nunca será compartilhado, mas que, mesmo em toda a sua inferioridade humana, ainda assim, amor. 

Era um bebê, coberto por um manto surrado, sujo de lama e tempo. A criança mantinha-se calada, mergulhada em um sono perfeito que só os anjos poderiam garantir às suas vítimas.

A Rainha, ao ver aquilo, caiu de joelhos e derramou-se num pranto desesperado. Como que tirasse as lágrimas do âmago. Recebeu o presente das mãos de Mikhail e o acalentou junto ao seio. O arcanjo partiu. A Rainha conteve-se. Eu não pude me intrometer. Mantive o segredo em silêncio.

Alguns dias depois do acontecimento, a Rainha anunciou que estava grávida do primeiro e único filho de Lorde Irun.

Mikhail, líder dos arcanjos


[...]

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