quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Agenda de Volke - Bloco de anotações Nº 1

É como eu li certa vez em um livro daquele pouco célebre escritor (desmerecidamente) Balthazar de Rivergate: "O medo é irracional. Ele rompe e rui amores, arruína longas confianças, põe à prova a fé e cria uma barreira em nossos sonhos. O que seria da vida mortal sem todas essas decepções?". Entendi que, de certa forma, mesmo que humana e inferior, o medo é uma proteção para nossa existência e pode ser considerado uma prudência confiar nele. 

Você que sente medo é prudente. Você, de alguma forma, vai evitar a morte. Eu não. Eu não sei o que é isso. Não sei o que é medo, por isso, todas as minhas decisões parecerão imprudentes para você. Uma tremenda sorte eu estar vivo.

Bem, para começo de história: Não existem dias de céu limpo na Cidadela de Ferro. Sempre há aquela tóxica nuvem de ferrugem pairando no ar e cobrindo a luz do sol. As pessoas daqui se vestem diferente. Digamos até que, de certa forma, excêntrica. Mas você se acostuma rápido e logo adota a mesma moda... bem, se não adotar, existe uma boa chance de você morrer sufocado aqui nessa cidade.

Estava num lugar chamado a Taverna da Engrenagem Enferrujada (um nome bem demonstrativo para a região). Tudo que queria era alguma história. Eu sempre quis escrever livros, acho que tenho um pouco dessa arte convincente em mim. Quando eu era pequeno, minha mãe me entregou a um bardo com a intenção de eu tornar-me um aprendiz. Não deu certo. Apesar de saber expressar em palavra escrita, eu era um péssimo comunicador (sem falar nas canções bárdicas que sempre me pareciam inalcançáveis. Exato. Não tenho talento nenhum para música). Logo estava de volta nos braços de minha mãe, mas, não por muito tempo. Sair de casa e me "aventurar" com aquele bardo me despertou um sentimento de liberdade incurável.

Mas, voltemos à tal taverna. Eu estava lá, farejando notícias. Tenho um sexto sentido para isso. Sei quem pode me dar histórias verdadeiras. Não havia ninguém lá. Sentei-me e esperei até o momento em que aquele sujeito medonho, encapuzado, de armadura pesada e uma longa foice nas costas adentrou o recinto. Meu faro funcionou como nunca! Ia me levantar e tentar indagá-lo de alguma forma. Foi então que ele armou-se da foice e arrancou a cabeça de um sujeito qualquer em meio à dezenas de observadores. Depois, deu meia volta e saiu da taverna deixando o rastro de terror pelo ar. 

Eu só queria tentar me aproximar dele, mas o invólucro de pessoas absortas pela cena me impediu. Demorou algum tempo até conseguir informações sobre o rastro do estranho. Ele havia pego uma das barcaças ao redor da cidade e remado até a temida Floresta Cinzenta. Um lugar macabro, cheio de bruxas com habilidades peculiares e que todos temiam deparar-se. Menos eu, é claro. Sou imprudente demais, a curiosidade sempre vence em mim. Facilmente.

Dizem que a Floresta Cinzenta é protegida por uma ilusão constante conjurada pelas bruxas. Também falam que as árvores do local se movimentam quando ninguém está olhando e que isso dificulta bastante o trabalho dos rastreadores. Então, talvez eu tenha tido sorte, pois não me senti perdido naquele pântano escabroso. Tudo o que fiz foi guiar-me pelo nariz em direção àquele terrível cheiro de morte.

Isso me levou até um amontoado de corpos entrelaçados de bruxas. Suas cabeças estavam separadas do corpo e amarradas como um pêndulo nos galhos das árvores vizinhas. Eu me aproximei descuidado e fui surpreendido pela silhueta algoz do homem da foice. Tentei me comunicar, mas ele partiu para cima de mim, com a foice longa e sua lâmina cortando o ar como uma lua minguante. Me afastei e tropecei esbarrando em uma árvore que ostentava a cabeça de uma das bruxas. A foice atingiu pouco acima de mim, cortando a corda de cânhamo que prendia o troféu de meu atacante.

"Eu só queria fazer algumas perguntas" - tentei ser o mais diplomático possível, embora soubesse que eu não era bom nisso.

Ele me olhou, com seu olhar de morte, e falou: "Você não tem medo de mim?"

"Eu deveria ter, mas, com todo respeito, não. Talvez eu tenha um parafuso a menos. Aquele que me falta, tirou-me a prudência de minhas decisões."

O guerreiro tirou a lâmina da foice da fenda que ela havia desenhado na árvore e apanhou a cabeça da bruxa, analisando a corda partida.

"Isso não é imprudência. Não ter medo é uma bênção reservada à poucas pessoas." - ele me contou enquanto emendava a cabeça cortada de volta à árvore.

"Então, eu posso fazer as perguntas?" - bem... eu não havia desistido de minha missão.

Ele me olhou como se estivesse enxergando além do que podia ser visto e respondeu: "Parece que sim..."

E eu perguntei, enquanto ele preparava a carnificina com as bruxas.

O que você está fazendo?
Matando bruxas. Matando, empilhando, cortando suas cabeças, queimando.

E tem algum motivo maior pra que você faça isso? De alguma forma, eliminar essas ameaças parece... bem... parece uma boa atitude...
Esse é o ofício que foi reservado à mim por minha deusa. Essas bruxas pecam contra a mortalidade. Vivem mais do que devem. Meu trabalho não tem nada a ver com a proteção da Cidadela de Ferro.

Quem é a sua senhora?
Veronicca, a deusa da morte.

Nunca conheci um algoz de Veronicca!
(Ele me olhou com desconfiança) Bom para você...

Err... bem, você já deve saber que eu o segui até aqui. Estava na Engrenagem Enferrujada, a taverna onde você arrancou a cabeça de um inocente em meio à dezenas de olhares assustados.
Eles ficaram amedrontados, foi?

Sim... é claro. Quem não ficaria?
Você.

Bem, é verdade. Então, porque você fez aquilo? Missão para a sua deusa?
Não. A morte dele e a dos outros fazia parte de uma missão temporária?

A morte dos outros? Você fez mais vítimas na Cidadela de Ferro?
Cinco. Seis se você estiver contando com este último.

Se não era para a sua deusa, então porque esses assassinatos foram realizados?
Para satisfazer os caprichos de um barão.

O Barão da Máscara de Ferro!
Acho que é assim como todo mundo o chama.

Então, você também trabalha para o barão?
Não. Pelo menos, nunca mais.

Porque você fez essa missão para ele, então?
Ordens de alguém superior. Era necessário alimentar o ego do barão para que ele pudesse reconstruir o corpo de um... um... conhecido.

A missão, então, foi concluída... e seu "conhecido" está... reconstruído?
A missão foi concluída. Meu conhecido está... de pé. 

Afinal, O QUE é, seu conhecido?
Uma criatura criada pelos ofícios do barão. Um tipo de golem ou homem mecânico consciente.

Um FORJADO! Que maravilha!
(Olhar desconfiado) Eu não acho. Aquilo, de certa forma, ameaça o círculo natural da morte. Minha deusa deve estar sendo complacente à existência disso, mas não sei se será para sempre.

E quando não for?
Então, talvez, meu ofício inclua a caça e destruição dessas coisas mecânicas.

Como se chama seu "conhecido"?
Varuz.

É isso? Não sei porquê, mas achei que você responderia uma sequência de números...
Besteira.

Então, onde está Varuz?
Creio que no Palácio Mecânico, nas mãos do barão.

Ótimo. Sei onde fica...
Você pretende invadir o palácio?

Bem, sim... não!... não deveria ter insinuado isso, não é?
Não é problema meu, mas, não acho que você vá conseguir. 

Darei o meu jeito.
...

...
...

Então, oh sim! Me desculpe, esqueci de me apresentar! Que tolice a minha. Sou Eliah Volke... sabe? De "O coração é uma muralha prestes a desabar" ... minha mãe era fã de um escritor e...
???

... me deu esse nome... você não tem a mínima noção do que estou falando não é?
...

Bem, então, está bem. Enfim, qual o seu nome?
Eu não tenho um nome. Não é necessário. Aqueles que andam comigo me chamam de ceifeiro, porque uso uma foice.

Que estranho... você precisa de um nome.
Besteira...

(...) Que tal Silscythe? Sabe? De "Éramos Sete"! O guerreiro que arrancou a escama da mãe dos dragões e a deixou vulnerável à lança do destino... é... um livro. Você não deve conhecer, mas...
Silscythe...

Sim. Silscythe.
Parece que... posso aceitar esse nome.

Então, esse será seu nome...

[Fim das anotações]

Silscythe, algoz de Veronicca




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