quarta-feira, 9 de maio de 2012

Crônicas de Draganoth - A Chuva de Anjos


CAPÍTULO 1 – A CHUVA DE ANJOS

“Acreditamos ficar tristes
pela morte de uma pessoa,
quando na verdade é apenas
a morte o que nos impressiona”

O Príncipe dos Anjos

Amil Gaul
                Um par de olhos azuis esforçava-se para observar as terras bem abaixo das nuvens. O observador enxergou um mundo lamentável, palco de consecutivas guerras responsáveis pelo abalo que cada habitante inocente carregava neste fim de tempo. A visão deixou o observador lamentoso e ele subia a longa escadaria de mármore como se carregando grilhões presos aos calcanhares. O personagem tinha cabelos curtos e quase aloirados, tinha o porte físico de um guerreiro que ficava ainda mais impressionante devido a sua armadura reluzente - havia mais do que ouro e aço naquela vestimenta, ela lhe cobria o corpo quase que inteiramente, com exceção da cabeça, esta se mantinha erguida fitando o templo no final da longa escadaria.
Aquele Templo do Esplendor era diferente de todos que foram construídos nas terras abaixo das nuvens. Aqueles templos menores, apesar de serem construídos com toda riqueza e ostentação que os mortais poderiam aderir, não chegavam aos pés daquela estrutura celeste. O monumento foi erguido acima das nuvens apertadas e tingia o céu de um branco luminescente – quem olhar lá de baixo, das terras planas, não conseguirá ver o mais majestoso dos templos, muito menos poderá alcançá-lo – mas o viajante estava ali, agora prestes a atravessar os grandes portões de bronze. Do lado de fora, pináculos e colunas sustentavam o teto refinado a ouro e prata, os portões de bronze desenhavam figuras angélicas carregando espadas bastardas e alçando voo a partir de suas asas, os anjos despencavam num desfiladeiro, bem abaixo do céu – talvez, bem abaixo da própria terra – mas as figuras nos portões de bronze não revelavam mais do que isso.

            Aquele Templo do Esplendor era grandioso, em seu interior havia vidraças semitransparentes com a figura imponente dos anjos protetores, elas contavam uma história antiga – e desconhecida pela maioria. O teto era distante e terminava sob a forma côncava formada de espelhos cristalinos que filtravam as luzes do sol e transformavam o interior da construção em um lugar intensamente iluminado. No chão havia algo ainda mais impressionante, havia um círculo de bronze com imagens semelhantes às encontradas nos portões de entrada, mas agora desenhavam o lugar onde aqueles anjos haviam chegado após descer àquele abismo – agora estes carregavam suas armas de luz e combatiam tudo que saía das sombras, um emaranhado de criaturas visivelmente vis de muitos olhos e muitas presas.

O Templo do Esplendor
                O círculo de bronze, na verdade, era o selo de uma prisão muito antiga. Ao redor da construção, estátuas feitas de marfim e mármore ostentavam a visão de quatro anjos, de asas semi-abertas, ajoelhados e de olhos vigilantes. Os anjos de mármore empunhavam espadas bastardas e miravam seus ataques no círculo de bronze, pressionando a ponta de suas armas contra o selo da prisão. Parecia que o invasor conhecia bastante o lugar, qualquer um, a primeira vista, ficaria algum tempo admirando cada traço do trabalho divino.
- Seja bem-vindo Príncipe dos Anjos – ecoou uma voz onipresente – depois de tantos títulos conquistados, aquele no qual julguei o mais impressionante foi o que usei. Ainda não sei como você deseja ser chamado.

O invasor esperava pelas saudações do anfitrião. Esperava também pela dúvida que o mesmo haveria de ter ao tentar nomeá-lo. De todos os seus títulos, o, então, Príncipe dos Anjos escolheu o mais humilde.

- Amil Gaul é o meu nome. – respondeu com sinceridade.

- Amil Gaul? – surpreendeu-se a voz – de todos os títulos possíveis, você escolheu aquele dado a você por um grupo seleto de mortais. Por quê?

- Não há uma explicação na qual possa se interessar agora, Juiz.

Então, a voz onipresente deu forma a um anjo. Sua pele era branca e luminosa, cabelos longos e negros que se estendiam até os quadris, olhos azuis-claros distantes, o divino trajava uma armadura prateada e tinha o mesmo porte guerreiro de Amil Gaul. Nenhum dos dois, entretanto, parecia ostentar sentimentos de luta – assim como nenhum carregava armas.

- Tomei a forma que achei que mais lhe agradaria. – afirmou o Juiz, mas Amil Gaul não ficou impressionado – veio atender ao chamado das doze estrelas?
Amil Gaul afirmou com a cabeça e completou – Ainda não entendo como este mundo pode ter tantos problemas. Tantos que não há sequer uma geração de paz. – o Juiz assentiu, com os olhos fitando o nada sob os pés dele

– O Inimigo está adiantado.

- Do que se trata? – perguntou Amil Gaul.

- Os deuses se reuniram. Mas agora, a decisão não pôde ser contornada pela diplomacia do líder.

- Lorde Splendor pregou durante muito tempo a nosso favor. – afirmou o Príncipe dos Anjos.

- A favor dos mortais, você quer dizer – consertou o Juiz, mas Amil Gaul não pareceu se incomodar.
Mikhail, o Juiz

- Nos próximos dias, em um vilarejo humilde nas redondezas do reino de Asura, nascerá um bebê milagroso – continuou o Juiz – este irá crescer e a ele será dada uma missão muito importante.

                Amil Gaul assentiu. Sabia que missão importante era essa. O Juiz, por sua vez, previu que Amil Gaul entenderia o recado e achou desnecessário falar sobre um futuro mais distante, então continuou:

- Mas o inimigo sabe disso, e vai tentar fazer algo para impedir este nascimento.

                Amil Gaul deu as costas ao templo e caminhou firme até a escadaria:

- Basta me indicar em que direção estará a criança.

                O Juiz seguiu os passos do Príncipe dos Anjos e revelou-lhe a trajetória. Um par de asas brancas, como as nuvens do céu, se desenterrou da carne e costas de Amil Gaul, sem sangue e sem dor, mas que, visivelmente, tomara um pouco da energia divina que o Príncipe dos Anjos tanto precisava. Assim como os anjos desenhados nos portões de bronze, Amil Gaul despencou do templo dos céus e procurou a sua horda de demônios na escuridão.


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