quinta-feira, 4 de maio de 2017

A Reunião - parte 04


Capitão Rand
Os ventos rápidos drapejavam a vela da embarcação voadora. Ali, sobrevoando a torre colossal de Draganathor, o capitão de um navio que navegava sobre as nuvens calculava o pouco tempo que levaria para chegar ao império majestoso da Dragocracia.

- Sim, você está certo. Eu, capitão Rand, sou conhecido por aceitar fazer viagens perigosas. Eu carreguei o exército de Lorde Irun pelas redondezas da selva de Chattur'gah na época em que a rainha dos dragões negros praguejava sua maldição. Também sobrevoei o céu cinzento contaminado pela Cidade de Carne afim de procurar e salvar heróis que, por pouco, não sucumbiram à batalha na antiga cidade dos anjos de pedra. Mas fiz por um preço, meu caro. Um preço que arrisco dizer: você sozinho não estará disposto à pagar - explicava o capitão da embarcação voadora ao estranho que, a pouco menos de um mês havia lhe encontrado para propor um acordo - não cobrarei menos por você ser único viajante. Draganathor está, particularmente, inacessível para muitas caravelas voadoras. O custo será altíssimo!

- Acho que isso não importa - respondeu o estranho, serenamente.

E não importava mesmo. Zlatan havia arranjado uma altíssima quantidade de peças de ouro enquanto se aventurava nos poços mais profundos da cidade dos anjos de pedra, na época em que ainda praticava seu extinto ofício na Ordem do Manto. Ele pagou mais do que o suficiente e o capitão Rand ficou satisfeito em levá-lo até à Torre da Dragocracia.

- Não sabe que uma guerra está próxima àquela torre? Apenas os tolos fariam uma viagem de ida até aquelas instâncias - perguntou o capitão, antes mesmo de iniciar voo.

- É exatamente onde deverei estar, quando essa guerra der-se início.

E assim, Capitão Rand alojou alguns ajudantes em suas cabines e rumou em direção à Torre da Dragocracia, enquanto o estranho praticava seus estranhos hábitos. O olho curioso de Rand não deixou escapar as cenas de similar bruxaria que seu convidado, Zlatan, ousava praticar mesmo sob sua presença.

Era uma estreita e decorada caixa de madeira retangular, o principal e mais utilizado item do arsenal de Zlatan. Trazia-o como se escondido pela escuridão do manto e o colocava acima da mesa enquanto conjurava uma série de encantamentos que eram sempre os mesmos - Rand notou, embora não conhecesse bulhufas sobre magia. Os olhos do ex-membro da Irmandade do Manto tornavam-se pálidos e sem vida e dava-se a impressão que ele era capaz de ver alguma coisa além da decoração nada festiva que compunha sua cabine na caravela voadora.

A caixinha se estendia mostrando um tabuleiro cheio de letras e estranhos símbolos. Havia também um par de dados, uma pequena bússola e um disco oval feito de vidro negro que Zlatan punha sob o tabuleiro e o deslizava parecendo encontrar respostas entre os símbolos desenhados na superfície. Ele fazia perguntas para o nada, num sussurro quase inaudível, mas completamente inacessível e, com a ajuda dos próprios dedos, deixava uma sutil gravidade responder suas perguntas.

Quando o Capitão Rand finalmente perguntou o que significava aquele ritual diário, Zlatan respondeu: "Trata-se de uma reunião" e, por mais corajoso e curioso o capitão fosse, ele resolveu deixar aquilo de lado. Cada vez que via o homem de manto mexer com aquele artefato, os cabelos de sua nuca se eriçavam e ele preferia ficar a observar o movimento de seu navio voador entre as nuvens. 

Capitão Rand deslizou a mão na lateral de sua embarcação como se fazendo carinho a um animal de estimação e sussurrou, apenas para si mesmo e, talvez, para seu veículo: "Estamos chegando, querida. Estamos chegando."

***

Zlatan, irmão do manto
Dentro da cabine de Zlatan o tabuleiro misterioso estava montado, com o disco oval de vidro negro a
deslizar sob sua superfície. Ambas as mãos de Zlatan em cima deste, a tocar levemente com a ponta dos dedos. Seus olhos pálidos e distantes, emanando magia necromântica.

O disco parecia ter vida própria. Os dedos do homem de manto mal o tocava e ele se guiava prontamente entre os símbolos arcanos do tabuleiro. Permaneceu a fazer isso até que parou repentinamente. Zlatan balbuciava enquanto misturava símbolos e letras que o disco havia lhe relevado. Soletrava confuso, sílaba por sílaba:

- Dra...kham... hurl... venant...
... Drakham... uir... vant...
...Drakham... ui... vante.
...
Dragão Uivante!
É isto que querem me dizer? - concluiu o irmão do manto enquanto olhava para adiante da mesa onde estava o tabuleiro. 

Ele enxergou duas presenças fantasmagóricas, perdidas numa névoa de escuridão cinzenta. Um par. Homem e mulher de olhares sufocados. Eternos amantes amaldiçoados.
A dupla ergueu suas mãos de cima do disco de vidro negro e fitou Zlatan. Como se observados por um espelho embaçado, eles assentiram afirmativamente, com seus balançares de cabeça lentos e decididos.

- Dragão Uivante. Este é o lugar na qual devemos seguir - afirmou Zlatan enquanto ouvia os gritos do capitão do lado de fora:

- Estamos muito perto, Zlatan. Já podemos ver a torre ao longe. Venha contemplar o vislumbre!

Zlatan foi.

***

O estranho visitante
O estranho caiu do céu movimentado em cima do telhado de uma casa. Sentiu o baque machucar suas costas e antes de dar por si, escorregou na umidade acumulada nas telhas e rolou em direção a uma segunda queda dentro de um beco escuro, em cima de latas de lixo. 
O estardalhaço assustou gatos bichentos e distraídos das redondezas e espalhou restos para todos os lados.

- Merda! - o estranho teleportador reclamou da dor e em meio à imundície viu-se de mão trêmula bem fechada. Abriu-a vagarosamente, como se o fizesse rapidamente não pudesse suportar a surpresa. 

Era uma moeda. Sua fronte era a de um esqueleto vestido de terno e chapéu.

- Puta que pariu! Deu merda... deu muita merda! - ergueu-se e às presas saiu atrapalhado para fora do beco. Deu de cara com uma multidão, a zona urbana de Draganathor. Olhou ao redor como se não pudesse acreditar em nada. Observou o céu encrustado de torres e pontes e viu, ao longe, um navio voador navegar entre as constantes nuvens - não, não, não! Não pode ser...

Seus aguçados ouvidos demoravam a se acostumar com o ambiente. Ele ouviu, distante, os passos metálicos de uma marcha apressada e, não demorou muito tempo para que fosse interceptado:

- Mantenha-se parado, estrangeiro! Somos os Vassalos Draculean e você realizou um teleporte ilegal em nossas instâncias! - alertou o líder de uma dezena de guardas da milícia de Draganathor, todos envoltos por tatuagens dracônicas e armaduras metálicas leves como uma folha. A vestimenta daqueles que tiveram sua mente condicionada pela Dragocracia.

 - Identifique-se!

O estranho olhou para a moeda enraivecido e a guardou no bolso. Tomou um fôlego entristecido e, a seu tempo, respondeu:

- Bem... meus... amigos. Eu... não compartilho meu nome tão fácil! - e dito isso saltou acrobaticamente para cima dos telhados iniciando uma fuga.

Os Vassalos Draculean se organizaram para uma perseguição, enquanto o estranho buscava um esconderijo...

- Para onde vou... para onde vou... vamos! Vamos! Funciona dessa vez! - ele tirou a moeda do bolso e a jogou, pegando-a no ar repentinamente e analisando o resultado - Sorte! - ficou satisfeito com o resultado. Parou, olhou os arredores e se deparou com um estabelecimento - Taverna do Dragão Uivante - ele leu a placa - ...bem, é pra lá que vou - beijou a moeda e correu para a estalagem, confiante.



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