Meu caro Aensell,
Garoto, a última vez que o vi, você 'tava bem crescido. Um rapagão maior que o tio Barghaman. Ainda me lembro da época em que podia conversar com você olho no olho, agora, você espichou de uma forma desumana. Anda meio pálido e parece meio bobão, mas, acho que isso faz parte do seu ofício de mago. Todos que eu conheço da sua laia, são "meio" assim.
Escrevo para você com o intuito de que entregue esta mensagem para a pessoa certa, na qual, pelo visto, a única forma de intermédio entre mim e ela, é você. Sério, eu tentei usar algumas magias, mas não deram muito certo (pobres pombinhas).
Como é difícil que eu escreva com frequência e como tenho tempo de sobra para fazer nada (adoro minha vida) encontro uma forma de desviar-me do tédio contando os acasos que me fizeram escrever para essa mulher que, consta falar, é a primeira pessoa do sexo oposto em que traço minhas palavras sem intenções românticas.
Tudo começou quando me deparei pela primeira vez com aquela velhinha simpática no meio da rua, perguntando para qualquer um que lhe coubesse na telha onde estava sua netinha. Bem, não era problema meu. Se eu fosse dar atenção à qualquer estranho na sarjeta que me pedisse alguma coisa, posso dizer, com toda certeza, que o pobre Javert não aproveitaria nada de sua modesta vida. Essa minha atitude é bem diferente da do nosso ranzinza Barghaman. Aquele velho chapa que tem cara de brutamontes, mas, um coração do tamanho do punho de um gigante (e isso olhando sob minha perspectiva de altura).
Ele a viu, certa noite, sentada no chão de concreto do terceiro andar da torre e, ainda que aparentemente paciente e esperançosa, Barghaman ofereceu ajuda e a trouxe para a Dragão Uivante. Ela adorou a sopa de Charlotte (outra pessoa que espichou de uma hora para outra), embora, nós dois saibamos que nem se compara com a sopa da mãe dela (algum deus justo a tenha). Meu grande amigo taverneiro me incumbiu da tarefa de ajudar a velha senhora simpática, pois, como nós dois também sabemos, Barghaman é péssimo com as palavras.
Ela me contou, em meio a uma janta desesperadamente rápida para o estômago dela, que precisava encontrar sua neta e que ninguém nessa "árvore de pedra gigante" parecia lhe dar atenção, provavelmente porque ela precisava mostrar seu valor ao campeão da tribo. Bem, depois disso, só pude ter a certeza de que ela vinha de Chattur'gah. Fiquei sabendo que vocês tiveram uma treta por lá e minha curiosidade começou a fervilhar. Comecei a me interessar pela história...
Falei para ela que não era assim que se chamava a atenção em Draganathor. Que atrair a atenção na Torre da Dragocracia exigia maior extravagância (uma qualidade que eu, humildemente devo confessar, tenho em mim brotando aos borbotões), talvez, alguma coisa inédita e digna de aplausos. Essa foi a pior dica que já dei a um caipira. Segundos depois de secar mais uma panela de sopa, a velha senhora transformou-se em um urso medonho e urrou na Dragão Uivante provocando um terror inesperado.
O bardo (que a tempos estava tentando agradar uma plateia desinteressada, ineficazmente) parou de tocar seu banjo, Charlotte derrubou uma bandeja cheia de pedidos, Barghaman quebrou uma caneca de cerveja na mão de ferro e todos os outros visitantes ficaram perplexos por milésimos antes de gritarem de medo e fugirem da Dragão Uivante.
Eu queria ter conseguido convencer aquele urso a voltar à forma da simpática velhinha, mas, isso não ocorreu antes dos Escravos Draculean desabarem a porta e as janelas da Dragão Uivante com suas magias e conjurarem seus raios de fogo e relâmpagos contra a ameaça selvagem. Aqueles desgraçados não pegaram leve, até porque, como sabemos, eles se depararam com a situação perfeita que lhes permitia desmoronar de vez com a taverna de Barghaman.
Mas, por incrível que pareça, as magias dos Escravos Draculean não serviram de nada. A boa senhora saiu impune em meio a um rastro de destruição e fumaça que emanava do ponto onde as magias dos carrascos atingiram. Demorou bastante até que eu convencesse à milícia dracônica de que tudo não passava de um mal entendido, mas, finalmente, eles largaram o pé do Barghaman e a Dragão Uivante manteve-se fechada pelo resto daquela noite. Só depois de baixar os ânimos e de limpar a bagunça (a boa velhinha mostrou-se eficiente para isso), eu pude ouvir a história completa.
A Velha Xamã da Tribo do Urso, em Chattur'gah |
Dizia ela que havia vindo mesmo de Chattur'gah e que tinha a intenção de encontrar sua neta, uma bárbara chamada Freya. Ela disse que havia tentado mandar alguns animais mensageiros, mas, todos sucumbiam na viagem de Chattur'gah até os reinos mais distantes, porque precisavam atravessar o falecido e amaldiçoado reino de Azran. Chegou a mandar campeões da tribo, inclusive um poderoso guerreiro chamado Bhors, mas, aparentemente, eles não obtiveram sucesso em suas missões. Nem mesmo um sujeito que ela nomeou de "sussurro dos espíritos" foi capaz de contactar a tal Freya, até que, enfim, a própria velhinha precisou realizar essa viagem.
Contou-me que ela era uma xamã da Tribo do Urso e que tinha mais de cento e cinquenta anos, apesar de ser uma humana (pela cara enrugada, até que eu poderia julgar que ela tinha mesmo essa idade) e que a informação deveria chegar aos ouvidos de Freya de alguma forma. Dito isso, e reconhecendo que a história da velha xamã tinha sua importância, decidi escrever uma carta e encaminhá-la à você. Todo o conteúdo escrito a partir do próximo parágrafo são palavras ditas verbalmente pela velha. Espero que você consiga compartilhar esse texto com a bárbara.
"Minha querida neta, Freya, ursinha linda da vovó.
Quem é a ursinha mais forte das selvas? Quem é? Quem é? ... é você!
Freya, você precisa ser alertada...
Depois que todos nós ouvimos um grande BUM! na selva, seguido de um enorme GRAUUR!, descobrimos que a rocha mantida no Coração de Chattur'gah foi retirada e, assim, Sarrash, a coisa aprisionada, foi, enfim, libertada.
Apenas um dos guardiões do Coração de Chattur'gah sobreviveu ao encontro com a fera abismal. Ele contou que Sarrash apareceu como um repentino ZUM! e RASG! RASG! os outros guardiões. Depois, PUF! desapareceu como apareceu, mas, não antes de obrigar ao guardião responder uma pergunta:
- Onde está Freya?- FUNC! FUNC!, dizia Sarrash enquanto farejava o medo de sua vítima.
- Ela... e-e-ela n-n-não vive mais em Chattur'gah! - respondeu o guardião quase-morto.
Então, PLOFT! ... Sarrash o jogou no chão, misericordioso, e desapareceu.
Sarrash é um exterminador. Um druida que cedeu às artes negras e que definha a natureza por onde passa. É um ser feito de fúria e ódio que estava afastado de nossas terras a mais de uma centena de anos. Não sabemos como ele sabe o seu nome, muito menos, por qual razão deseja encontrá-la. Mas temo que ele tenha sido libertado por alguma coisa maior e mais influente.
Minha querida Freya, outros guerreiros de nossa tribo já enfrentaram e derrotaram Sarrash uma vez, mas a criatura não pode ser eliminada. Ela regenera todos os ferimentos, mesmo se incinerada e transformada em pó. A única forma que conhecíamos para poder pará-la, era seu aprisionamento.
Temos esperança na Guerreira Urso de nossa tribo. Acreditamos que você tenha forças para ser como os campeões de antigamente.
Receba um grande SMACK! de sua querida vó que te deseja toda a sorte do mundo.
XOXO
Um comentário:
Postar um comentário