O fogaréu furioso que cercava o corpo de carvão da inimiga. O bater das asas protetoras da fênix e o lampejo excelso do aliado.
Tudo estava escuro.
O breu da fuligem vulcânica nos rostos de súplica dolorosa dos heróis. A treva que se estende das paredes cobrindo os rastros de vitória. A sombra que a morte derrama nos corações dos sobreviventes.
Jade toca, com seus dedos de mártir, a superfície rochosa ainda quente, elevando um ar cinzento de contágio. As mãos fervendo na pedra e a magia protegendo sua pele alva. As lágrimas criam um rio negro em seu rosto e evaporam assim que se derramam pelas costas de suas mãos sôfregas.
Hela, incapaz de não fluir pureza e beldade, mesmo tocada pelas cinzas, encerra a canção entoada por seu alaúde. Ela crê que nenhuma música deve influenciar os sentimentos de compaixão entre amigos e os deixa chorar livres. Um pranto insaciável já é o suficiente.
Atônito, Aensell arrasta-se como um dia arrastara-se com medo do escuro por entre os becos de Draganathor. Desorientado, contaminado por uma tristeza desesperadora e calada. Seu corpo perdeu as forças e estas foram sugadas pelo excesso de desânimo.
Perdendo vagarosamente o brilho das chamas de fênix, Ophellia caiu de joelhos metálicos no solo rochoso. Ombros caídos. Escudo e martelo acompanhando o pesaroso sentimento de perda.
Shaya despencou no chão lamentando sua capacidade desumana de misturar lamúria e alívio por não ter tido o mesmo fim daquele que ela considerava apenas parceiro. Apoiando as costas na parede, ela escorrega seu peso até confortar-se sentada na aflição.
Por fim, Albion, sem lágrimas portadas, mas com a inabalável teimosia de guerreiro, armou-se da picareta e iniciou o incansável ofício de mineiro. Não iria deixar o aliado preso à rocha. Libertaria, se não o corpo, seu espírito da prisão sufocante do desaparecimento.
Sethos morrera.
***
Humano falho, - debochou a voz - sempre preso a um destino de morte. Sujeito à uma missão em que seu poder jamais seria o suficiente. Mortal. Carne apodrecida. Esquecida. Queimada. Carvão de espírito. Ele mereceu - os pensamentos de Aensell deram uma pausa, mas, enfim continuaram a lamentar - Esta será a sina de meus amigos. De mim. Do mundo. Você tem razão, mago. Tem razão. Você é diferente dos outros, mas continua estúpido, preso à alianças com meras marionetes de deidades viciadas em morte. Sua compaixão humana é apaixonante e desnecessária, desvia o curso das ações. Desvia o curso das ações da minha teoria. A teoria do acaso. Você é mesmo um inimigo? Eu sou. Ah! Eu sou. Mas minha vítima é vítima nossa e não há uma forma de se precaver da derrota sendo um mortal. Eu sou um caído. Eu, um mago. Um mago. E para a teoria eu preciso olhar para as estrelas. As espirais do destino são formações estelares e eu, no meu trono de abismo observei as estrelas por tanto tempo. Tempo eterno. Coincidência? Eu sei. Eu sei de cor.
Você não pode me influenciar. Eu não posso. Quero que se cale! - a voz calou-se - Eu quero saber! - a voz manteve-se calada - Eu quero saber! Fale! Eu posso falar... estou perdendo tempo. Você está perdendo seu tempo. Eu sou fonte de poder a ser canalizada. Meu corpo não suporta. Eu não farei nada à meu recipiente. Eu não quero o esquecimento, mago. Quero ajudar porque é a minha única opção. Você é mesmo um amigo? Não, mago. Eu não sou. Mas minha vitória é vitória nossa. Que escolha nós temos? Não! Pare de me ludibriar! Não é blefe, mago. Como posso confiar em você? Nós sabemos que você pode sentir minhas mentiras. Eu posso. Podemos.
Então?
Sou muito forte pra ser esquecido. Nós somos. Eu não quero que o mundo seja de Saulot. Nós não queremos. E depois? Depois da vitória? Nenhum de nós sabe. A teoria já nos revelou que toda era tem seu antagonista. Estamos perdendo tempo. Nós sabemos o que fazer. Canalize-nos e nunca existirá porcentagem maior de chances para a sobrevivência. Agora seremos mártires, inevitavelmente.
Como posso fazer essa escolha? Você pode fazer essa escolha, agora. Todo Éden precisa de um mentor. Mas, o que é Éden? O que vai ser Aensell? Quem sou eu?
[...]
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