Varuz, discípulo do Barão da Máscara de Ferro |
O mercado tumultuado de Draganathor abria passagem para um indivíduo esculpido em aço brilhante. Um bom conhecedor reconheceria a armadura do visitante como uma única peça rara de mithral. O ser era uma estátua olímpica, daquelas esculpidas para ornamentar o mais precioso templo de uma divindade, porém, estava viva, minuciosamente bem projetada e aparentemente era capaz de agir com muita leveza apesar de seu tamanho e peso consideráveis. Ostentava a cabeça de um coiote, brilhante como prata e isso lhe dava um aspecto temeroso.
- Saiam da nossa frente, humanos! - gritava um anão corcunda de barba espichada, sujo de ferrugem até no ouvido e usando um par de óculos que tornavam seus olhos miúdos como sementes da fruta do conde - não ousem tocá-lo! Ele foi recentemente polido e tem magia nele! Saiam da frente ou faço ele incinerar vocês!
O forjado de guerra caminhava enquanto olhava curioso para os arredores e tentava recordar-se de lembranças que foram deixadas no plano de fundo de sua existência.
- Ei! Mulher! Não me ouviu falar? Saia da nossa frente! - resmungou o anão corcunda.
Havia uma mulher envolta de manto branco em frente à passagem da dupla excêntrica de estrangeiros. Ela parecia ter aparência inofensiva e demonstrava uma fragilidade notável, mas isso não a impediu de encerrar a caminhada dos transeuntes.
- Ora, essa mais! ...você é surda, garota? - continuou o anão, mas só recebeu como resposta o silêncio.
A mulher ergueu o rosto e disparou seu olhar no forjado.
- Você é Varuz, discípulo dos magos brancos - falou a estranha, a voz acalentadora e alta somente o suficiente para ser audível.
O forjado a observou com olhos ígneos e parou por alguns segundos, como se estivesse perdido em lembranças. Quando finalmente respondeu, sua voz ecoou metálica, como se vinda de entranhas férreas:
- Sim - foi uma afirmação rápida e decidida.
- Sim! Ele é Varuz, mulher! Mas não é discípulo de magos brancos. Talvez um dia tenha sido, mas agora é discípulo do Barão da Máscara de Ferro e é somente a este que ele deve serviço - respondeu o anão sem paciência - e eu sou Ingram, o responsável pela manutenção desse forjado: o mais perfeito que já existiu. Quem é você, afinal?
Ezra, exorcista sagrada |
- Sou Ezra, uma exorcista sagrada, sacerdotisa de Amaryllis - respondeu a mulher livrando-se do capuz alvo, tinha a pele clara, olhos decididos e uma trança loira bem arrumada às costas - e você é um completo desconhecido para mim, Ingram.
- Não poderia ser diferente, freira. Eu e Varuz viemos de muito longe, de um lugar chamado a Cidadela de Ferro.
- A isso não me interessa, pelo menos, por enquanto - interrompeu Ezra - você está procurando a taverna do Dragão Uivante, Varuz?
O nome e a aparência daquela mulher era muito familiar para o forjado. Ele permitiu-se ficar atônito por mais alguns segundos antes de responder brevemente com um balançar metálico da cabeça.
- Sim, ele está! Foi mandado aqui pelo próprio barão para um tipo de... reunião - intrometeu-se Ingram.
- Já teve início.
- Pela Divina Engrenagem! Perdemos a maldita reunião! - queixou-se Ingram.
- Eu não diria isso. A reunião demorará muito mais tempo do que se imagina e vocês, na verdade, estão bem adiantados - explicou Ezra.
- Adiantados? Para quê, então?
- Sigam-me e logo saberão...
O trio abriu caminho pelas ruas de Draganathor e logo estava em frente à taverna do Dragão Uivante. Eles perceberam que havia um tumulto iniciando-se por lá e a adentraram.
***
Alexia se reconstituía do susto tomado quando as portas da taverna do Dragão Uivante se escancararam. Era um trio.
- Ora, vocês devem ser Varuz e Ezra - adiantou-se Javert com um largo sorriso no rosto - sejam bem-vindos à reunião.
- E eu sou Ingram! Você esqueceu de me nomear! - reclamou o anão corcunda insatisfeito.
- Bem, desculpas, meu caro companheiro, mas de ti, não sei de nada - explicou-se Javert e teve a afirmação de todos os presentes na taverna. Ninguém conhecia o anão.
- Ora... - resmungou Ingram enquanto buscava uma mesa solitária para se conformar com a própria infâmia.
Aldebaran deu uma olhada dos pés à cabeça de Varuz.
- Uma criatura feita de lata? O que mais faltam inventar nessas terras? - citou curioso.
Todos puderam ouvir uma gargalhada aos fundos da taverna. Um estranho encapuzado que até o determinado momento não havia se apresentado.
- Ei, você, espião! - alertou Aldebaran e à largas passadas alcançou a mesa onde o estranho estava. Foi acompanhado por Arafat - por quanto tempo você permanecerá oculto nesse lado da taverna? O que você está tramando? - ameaçou o dono da Incêndio, fazendo com que a espada ateasse um fogo agressivo.
- Ah! Errr... - atrapalhou-se o espião - Eu... bem, meu nome é Carlos André, eu sou um mero viajante e vocês nunca ouviram falar de mim, mas eu, bem, talvez eu tenha ouvido falar de alguns de vocês... talvez.
Aldebaran ergueu o espião pela blusa e observou o rosto de um humano desconhecido, do tipo que se é comum perceber nas multidões. Calvo, de média idade, nariz adunco e olhar amedrontado. O caçador de Nevaska estava desistindo de confrontá-lo quando ouviu a voz de Makai soar ao longe:
- Você não é quem diz ser, estranho. Revele-nos o seu disfarce ou sofrerá as consequências - indagou Makai, o monge cego, com uma voz austera que impunha pouca ameaça, mas que soava decidida e verdadeira.
O espião desmanchou um sorriso no canto da boca e sua face logo tornou-se enevoada, branco-azulada, como se em seu lugar estivesse uma máscara sem feições. Não demorou muito e uma barba trançada e longa nasceu em seu queixo, depois costeletas e, enfim, um cabelo longo e ondulado.
- O que diabos é você? - perguntou Aldebaran surpreso e largando a gola da vestimenta do espião.
- Malditos monges cegos... - reclamou o homem sem-face.
- Ele é Absalom - intrometeu-se Javert, satisfeito - um changeling. E como todos da raça, ele
é capaz de mudar sua aparência à vontade. Essa vantagem o faz um espião quase que obrigatório.
Absalom, o sem-face |
- Este sou eu - revelou Absalom com um sorriso de deboche desenhado no rosto - talvez vocês nunca tenham me percebido nas suas andanças, mas eu conheço cada um de vocês. Conheço até mesmo aquele garoto Aensell de quem vocês falavam.
Varuz vasculhou a memória e se viu pronunciando as seguintes sílabas:
- Aen...sell...
Ele lembrava-se daquele nome. Lembrava-se do indivíduo.
***
Era noite. Charlotte, filha de Barghaman bocejava. Os heróis que iriam se hospedar na Dragão Uivante já estavam em seus quartos, mas ela ainda tinha um serviço a fazer: pendurar uma tabuleta com os dizeres "lotado por tempo indeterminado".
Abriu a porta e os becos noturnos mal iluminados de Draganathor sopraram um vento frio contra seu rosto. Ela tremeu. Não pela repentina brisa fresca que a estapeou, mas porque teve a ligeira impressão de ver sombras se mexendo nos telhados das casas próximas.
"Droga, Charlotte, você está pirando com toda essa história de monstros horrendo feitos de carne" pensou ela consigo mesma. Preparava-se para fechar a porta da taverna definitivamente quando uma figura enorme, tão grande quanto uma estátua de pedra - e tão parecida quanto - com um corpo robusto de um guerreiro que empunha sua arma a anos, apareceu à sua fronte. Ela tomou um susto.
Golias, o golias |
- Boa noite... - falou o gigante careca de corpo acinzentado, sua voz parecendo ser sussurrado do interior de uma caverna.
- B-bo-boa noite... - respondeu Charlotte assustada.
Meio minuto se passou em silêncio até que o gigante falou:
- Sou Golias, o golias - revelou-se um pouco desacostumado.
- Então... ...tá! - respondeu Charlotte.
Passou-se mais meio minuto tenso, até que Golias, o golias, falasse:
- Eu conheço o Aensell.
Charlotte suspirou profundamente, escancarou a ponta e disse:
- Entre...
Ele o fez.
***
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