Não
era uma taverna incomum. Cecil sabia disso. Tampouco podia ser comparada às tavernas
de Sarn, Bamartha ou tantos outros vilarejos que ele havia visitado antes de
chegar na Maçã Dourada, a principal – e única – taverna de Ighaine.
Foi uma viagem longa até ali, mas os
pés daquele bardo já estavam acostumados a grandes caminhadas. A Maçã Dourada
não seria a última hospedaria na qual Cecil se aproveitaria dos aposentos,
beberia o mais caro hidromel e tocaria uma das músicas de sua infinita lista de
versos. Ele é um menestrel, um poeta cujo desempenho lírico refere-se as mais
diversas histórias, dos lugares mais distantes, sejam reais ou imaginários. Um
porta-voz de contos antigos e um dos responsáveis por dar vida a lendas e, de
alguma forma, jamais deixá-las morrer.
A princípio, Cecil tentara traçar
uma rota de viagem para suas andanças. Apenas após alguns meses ele deixara que
seus pés caminhassem livres. Apenas após alguns anos decidira que não havia
razão alguma para parar. E assim ele andou, deixou a primeira cidade que
visitara à milhas, tomou banho nas águas límpidas das cachoeiras de Rivergate,
visitou a torre colossal da Dragocracia, apreciou as magníficas estátuas dos
anjos de pedra em Zarast, conheceu a poesia élfica nas florestas esquecidas de
Mordae e sentiu o amor das paixões tão repentinas quanto passageiras dos
lugares que visitou.
E hoje, ao presenciar mais uma taverna
carregada de homens tão iguais com pensamentos tão ímpares se afogarem em
bebidas alcóolicas enquanto se esforçavam para acompanhar as canções
discordantes de músicos novatos se aventurando ao tentar tocar um ou outro
épico famoso, Cecil caíra no tédio comum que tantas vezes ele caíra apenas por
queixar-se de não estar fazendo ou presenciando algo que realmente valia a
pena. Ele, por vezes já notara que sua vida deveria ser regada por um constante
fator surpresa para que o ritmo de suas canções e as pautas de seus contos
fizessem algum sentido.
Escolheu uma mesa protegida pelo
escuro e decidiu pedir algo antes da Maçã Dourada tornar-se um tumulto de gente
– posteriormente seria isso o que iria acontecer – apalpou os bolsos escondidos
no manto castanho como outono e tateou sua reserva de peças de ouro. Havia
ainda muito a se gastar – ele começara a não se arrepender de ter seduzido a
viúva do Conde Abelard, em Aethel.
Surpreendeu-se com o fato de ser
recebido por uma mulher de cabelos ruivos cacheados presos em um coque no alto
da cabeça que comportava um traço facial perfeccionista, até mesmo as alvas sardas
preenchiam seu rosto com beleza enquanto delicados fios helicoidais caíam das
bordas de suas orelhas. Ela se chamava Irina, era a dona da taverna e, apesar
de usar os simples trajes de aldeã – um vestido decotado, amarelado pelo tempo
e com babados descosturados – ela nem sempre fora uma taberneira. Talvez, em
toda Maçã Dourada, apenas o próprio Cecil poderia notar as curvas e os
trejeitos de alguém sufocado por um destino inquieto.
-
Quero um pouco de licor de lótus – pediu Cecil depositando um punhado de peças
de ouro sobre a mesa vazia e as arrastando em direção à taberneira.
-
Você deve ser um viajante experiente. O licor de lótus é uma bebida fermentada
no reino de Asura, único lugar onde as flores orientais nascem – comentou Irina
observando apenas a sombra do rosto do visitante, insistente em permanecer-se
oculto – e Asura fica a incontáveis milhas daqui. Não é uma bebida fácil de ser
encontrada em Azran, sabia?
Houve
um breve silêncio até que Cecil fitou o rosto de sua anfitriã:
-
Então, tem ou não o licor de lótus aqui?
Irina abriu um largo e encantador
sorriso, apanhou as peças de ouro e balançou o rosto afirmativamente e em tom
lisongeiro.
Isso
só confirmava as suspeitas de Cecil. Ela era um de seus pontos fracos.
***
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