segunda-feira, 28 de julho de 2014

Uma prévia insuficiente sobre o conto




           Não era uma taverna incomum. Cecil sabia disso. Tampouco podia ser comparada às tavernas de Sarn, Bamartha ou tantos outros vilarejos que ele havia visitado antes de chegar na Maçã Dourada, a principal – e única – taverna de Ighaine.

            Foi uma viagem longa até ali, mas os pés daquele bardo já estavam acostumados a grandes caminhadas. A Maçã Dourada não seria a última hospedaria na qual Cecil se aproveitaria dos aposentos, beberia o mais caro hidromel e tocaria uma das músicas de sua infinita lista de versos. Ele é um menestrel, um poeta cujo desempenho lírico refere-se as mais diversas histórias, dos lugares mais distantes, sejam reais ou imaginários. Um porta-voz de contos antigos e um dos responsáveis por dar vida a lendas e, de alguma forma, jamais deixá-las morrer.

            A princípio, Cecil tentara traçar uma rota de viagem para suas andanças. Apenas após alguns meses ele deixara que seus pés caminhassem livres. Apenas após alguns anos decidira que não havia razão alguma para parar. E assim ele andou, deixou a primeira cidade que visitara à milhas, tomou banho nas águas límpidas das cachoeiras de Rivergate, visitou a torre colossal da Dragocracia, apreciou as magníficas estátuas dos anjos de pedra em Zarast, conheceu a poesia élfica nas florestas esquecidas de Mordae e sentiu o amor das paixões tão repentinas quanto passageiras dos lugares que visitou.

            E hoje, ao presenciar mais uma taverna carregada de homens tão iguais com pensamentos tão ímpares se afogarem em bebidas alcóolicas enquanto se esforçavam para acompanhar as canções discordantes de músicos novatos se aventurando ao tentar tocar um ou outro épico famoso, Cecil caíra no tédio comum que tantas vezes ele caíra apenas por queixar-se de não estar fazendo ou presenciando algo que realmente valia a pena. Ele, por vezes já notara que sua vida deveria ser regada por um constante fator surpresa para que o ritmo de suas canções e as pautas de seus contos fizessem algum sentido.

            Escolheu uma mesa protegida pelo escuro e decidiu pedir algo antes da Maçã Dourada tornar-se um tumulto de gente – posteriormente seria isso o que iria acontecer – apalpou os bolsos escondidos no manto castanho como outono e tateou sua reserva de peças de ouro. Havia ainda muito a se gastar – ele começara a não se arrepender de ter seduzido a viúva do Conde Abelard, em Aethel.

            Surpreendeu-se com o fato de ser recebido por uma mulher de cabelos ruivos cacheados presos em um coque no alto da cabeça que comportava um traço facial perfeccionista, até mesmo as alvas sardas preenchiam seu rosto com beleza enquanto delicados fios helicoidais caíam das bordas de suas orelhas. Ela se chamava Irina, era a dona da taverna e, apesar de usar os simples trajes de aldeã – um vestido decotado, amarelado pelo tempo e com babados descosturados – ela nem sempre fora uma taberneira. Talvez, em toda Maçã Dourada, apenas o próprio Cecil poderia notar as curvas e os trejeitos de alguém sufocado por um destino inquieto.

- Quero um pouco de licor de lótus – pediu Cecil depositando um punhado de peças de ouro sobre a mesa vazia e as arrastando em direção à taberneira.

- Você deve ser um viajante experiente. O licor de lótus é uma bebida fermentada no reino de Asura, único lugar onde as flores orientais nascem – comentou Irina observando apenas a sombra do rosto do visitante, insistente em permanecer-se oculto – e Asura fica a incontáveis milhas daqui. Não é uma bebida fácil de ser encontrada em Azran, sabia?

Houve um breve silêncio até que Cecil fitou o rosto de sua anfitriã:
- Então, tem ou não o licor de lótus aqui?

            Irina abriu um largo e encantador sorriso, apanhou as peças de ouro e balançou o rosto afirmativamente e em tom lisongeiro.

Isso só confirmava as suspeitas de Cecil. Ela era um de seus pontos fracos.



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