sábado, 28 de janeiro de 2017

Tomo do Mau presságio

 Capítulo 2
Etimologia



            Por causa da crença, banharam o bebê apenas três dias após seu nascimento. Até lá, o sangue encarquilhou-se em sua pele e lhe deu um ar de filho do demônio. O lavatório foi um rio de águas rápidas, um dos braços de Aomame. Aomame (na língua synkar: ao, serpente, mame, leito), nas terras amargas, foi uma enorme serpente mitológica que gerou seus filhos, homens de pele parda e dentes serrilhados, regurgitando vida e desabando morta na selva de Chattur’gah. Do sangue de seu corpo a apodrecer vazou a água pantanosa que criou o rio Aomame, a passagem fluvial que agora limpava o sangue coagulado do filho da lua rubra.

            Por mais de sete noites, apenas pela alcunha de filho da lua rubra o bebê havia sido chamado. Mo’bagh, o líder das regiões inférteis e suposto pai do mau presságio, resolveu procurar o anacoreta. Embrenhou-se nas terras mais altas e verdes a procura daquele que diziam saber sussurrar como os espíritos. Seu povo deu-lhe o nome de Asafamana, mas as tribos de homens que os bárbaros de dentes serrilhados cortavam a cabeça chamavam-no de Asafe, como se fossem mais íntimos e pudessem falar apenas metade de sua identidade.

            Asafe escolhera um nome para o filho da lua rubra. Dizia Mo’bagh que vira o anacoreta admirar-se com a presença de seu filho e, embasbacado, mal pôde lhe prever um título, coisa que o fazia mesmo sem precisar ver a criança, se esta não fosse progênie da lua rubra. O guia dos espíritos chamou-o de Asaulochte e isto significava, em synkar, asaul, sombra ou mortalha (a vestimenta que cobre o corpo de um cadáver antes de ser sepultado), loch, que antecedia qualquer adjetivo sinônimo de último ou derradeiro e o sufixo kithe, que significa “aquele que gera”. Aquele que gera a derradeira sombra da morte foi um título mais do que agradável para os ouvidos de Mo’bagh,

            Por corrupção de língua e o desvio entrecortado da langue dos bárbaros das terras amargas, o nome se estreitou com os anos. Parte do sufixo chte passara a não ser pronunciado e o prefixo a- foi abandonado, pois os bárbaros de Ankhashadalûr valorizaram o som sibilante do fonema s-. Passaram a sibilar, então, o nome Saulot, o filho da lua rubra.

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