Capítulo
1
Nascido na lua rubra
Não mais que uma lua rubra surge no
céu noturno a cada centena de ano. Um olho que sangra maus presságios de guerra
é temido nas terras altas, onde os reinos se protegem entre montanhas, muralhas
e fortalezas, mas, para o povo que venera a matança e que admira o sangue que brota
da pele, a lua rubra é o indício de que algo prestigiado irá nascer. Era isso o
que os bárbaros das terras amargas e inférteis de Ankhashadalûr acreditavam: a
lua que sangra trará um poderoso guerreiro que será batizado com a seiva
carmesim do cadáver de sua mãe.
Naquelas terras, uma barba ensopada
de sangue escondia os dentes tortos de uma arcada serrilhada, como abocanhes de
tubarão. O sangue que descia como riacho no cabelo grosso era uma mistura de
filetes escarlates que jorravam das gengivas do bárbaro e o sangue que espirrava
do ferimento que atravessava o ventre de uma mulher que se contorcia de dor
lancinante, deitada na lama, em gritos e esperneios que romperiam a frieza de
qualquer homem. Mas, os bárbaros das terras amargas não eram homens. Eram
monstros. E havia o prazer de provocar a dor física naquela futura e falecida
mãe.
Independente do masoquismo visível
do bárbaro de corpo robusto e lâmina torta, aquele sacrifício era, acima de
tudo, um elemento ritualístico. A mulher, suja, abraçou o alívio da morte
quando sua vista se esbranquiçou e ao fitar os olhos de seu algoz ainda
conseguiu expressar o prazer de ter executado sua tarefa de forma correta.
Morreu com dentes amarelos à mostra, mas seus ouvidos ainda escutaram o choro
abafado do bebê tirado à força de seu ventre.
“Um
menino!”
Comemorou o bárbaro sanguinário,
salivando líquido vermelho por entre dentes. Com uma única mão era capaz de
cercar o bebê e levantá-lo friamente em direção ao olho da noite. A lua rubra.
A lua dos maus presságios.
“É
garoto de sangue frio!”
Os demais bárbaros se arrastaram da
escuridão que cercava a cena de abandono. Enxergaram o bebê que, como soubesse
que seu destino era o trono e que todos ali lhe deviam respeito, cessou o
pranto. O silêncio do episódio foi interrompido pelo acúmulo de brados
violentos. Os bárbaros regurgitavam suas comemorações, afinal, nas terras
amargas nascia o filho da lua rubra.
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