sábado, 28 de janeiro de 2017

Tomo do Mau Presságio

Capítulo 1
Nascido na lua rubra



            Não mais que uma lua rubra surge no céu noturno a cada centena de ano. Um olho que sangra maus presságios de guerra é temido nas terras altas, onde os reinos se protegem entre montanhas, muralhas e fortalezas, mas, para o povo que venera a matança e que admira o sangue que brota da pele, a lua rubra é o indício de que algo prestigiado irá nascer. Era isso o que os bárbaros das terras amargas e inférteis de Ankhashadalûr acreditavam: a lua que sangra trará um poderoso guerreiro que será batizado com a seiva carmesim do cadáver de sua mãe.

            Naquelas terras, uma barba ensopada de sangue escondia os dentes tortos de uma arcada serrilhada, como abocanhes de tubarão. O sangue que descia como riacho no cabelo grosso era uma mistura de filetes escarlates que jorravam das gengivas do bárbaro e o sangue que espirrava do ferimento que atravessava o ventre de uma mulher que se contorcia de dor lancinante, deitada na lama, em gritos e esperneios que romperiam a frieza de qualquer homem. Mas, os bárbaros das terras amargas não eram homens. Eram monstros. E havia o prazer de provocar a dor física naquela futura e falecida mãe.

            Independente do masoquismo visível do bárbaro de corpo robusto e lâmina torta, aquele sacrifício era, acima de tudo, um elemento ritualístico. A mulher, suja, abraçou o alívio da morte quando sua vista se esbranquiçou e ao fitar os olhos de seu algoz ainda conseguiu expressar o prazer de ter executado sua tarefa de forma correta. Morreu com dentes amarelos à mostra, mas seus ouvidos ainda escutaram o choro abafado do bebê tirado à força de seu ventre.

“Um menino!”

            Comemorou o bárbaro sanguinário, salivando líquido vermelho por entre dentes. Com uma única mão era capaz de cercar o bebê e levantá-lo friamente em direção ao olho da noite. A lua rubra. A lua dos maus presságios.

“É garoto de sangue frio!”

            Os demais bárbaros se arrastaram da escuridão que cercava a cena de abandono. Enxergaram o bebê que, como soubesse que seu destino era o trono e que todos ali lhe deviam respeito, cessou o pranto. O silêncio do episódio foi interrompido pelo acúmulo de brados violentos. Os bárbaros regurgitavam suas comemorações, afinal, nas terras amargas nascia o filho da lua rubra.

Nenhum comentário: