Capítulo
2
Etimologia
Por causa da crença, banharam o bebê
apenas três dias após seu nascimento. Até lá, o sangue encarquilhou-se em sua
pele e lhe deu um ar de filho do demônio. O lavatório foi um rio de águas rápidas,
um dos braços de Aomame. Aomame (na língua synkar: ao, serpente, mame,
leito), nas terras amargas, foi uma enorme serpente mitológica que gerou seus
filhos, homens de pele parda e dentes serrilhados, regurgitando vida e desabando
morta na selva de Chattur’gah. Do sangue de seu corpo a apodrecer vazou a água
pantanosa que criou o rio Aomame, a passagem fluvial que agora limpava o sangue
coagulado do filho da lua rubra.
Por mais de sete noites, apenas pela
alcunha de filho da lua rubra o bebê havia sido chamado. Mo’bagh, o líder das
regiões inférteis e suposto pai do mau presságio, resolveu procurar o
anacoreta. Embrenhou-se nas terras mais altas e verdes a procura daquele que
diziam saber sussurrar como os espíritos. Seu povo deu-lhe o nome de Asafamana,
mas as tribos de homens que os bárbaros de dentes serrilhados cortavam a cabeça
chamavam-no de Asafe, como se fossem mais íntimos e pudessem falar apenas
metade de sua identidade.
Asafe
escolhera um nome para o filho da lua rubra. Dizia Mo’bagh que vira o anacoreta
admirar-se com a presença de seu filho e, embasbacado, mal pôde lhe prever um
título, coisa que o fazia mesmo sem precisar ver a criança, se esta não fosse
progênie da lua rubra. O guia dos espíritos chamou-o de Asaulochte e isto
significava, em synkar, asaul, sombra
ou mortalha (a vestimenta que cobre o corpo de um cadáver antes de ser
sepultado), loch, que antecedia
qualquer adjetivo sinônimo de último ou derradeiro e o sufixo kithe, que significa “aquele que gera”.
Aquele que gera a derradeira sombra da morte foi um título mais do que agradável para os
ouvidos de Mo’bagh,
Por corrupção de língua e o desvio
entrecortado da langue dos bárbaros das terras amargas, o nome se estreitou com
os anos. Parte do sufixo chte passara
a não ser pronunciado e o prefixo a-
foi abandonado, pois os bárbaros de Ankhashadalûr valorizaram o som sibilante do
fonema s-. Passaram a sibilar, então,
o nome Saulot, o filho da lua rubra.