Soldados somam forças para arrastar os escombros que esmagaram seus aliados.
Aqueles que encontram amigos ou entes queridos desabam em um pranto incontido, outros gritam de indignação e são consolados pelos mais experientes.
A maioria desses soldados nunca viu a morte tão de perto. Eles sussuram entre si:
Havia uma escuridão extensa e sufocante.
Eram espectros. Eu pude ver garras se contorcendo e arranhando.
Cheguei a pensar que nem toda a luz do mundo seria capaz de dissipar aquela escuridão.
Muitos dos meus soldados correram para as sombras, procurando a morte mais cedo, parecia impossível sobreviver. Estávamos… sozinhos.
Clérigos de Selloth erguem pequenos orbes flutuantes de luz, como um alento aos que sobreviveram e uma guia para os que se foram.
Os clérigos de Splendor depositam corpos sobre balsas. Com as armas e a armadura que tinham em vida e de olhos fechados eles são tragados para o cemitério em alto mar, sob a bênção do deus do heroísmo.
As sacerdotisas de Amaryllis revezam em orações e magias de cura para fechar os ferimentos e ossos quebrados daqueles que foram mutilados na guerra.
Todos os soldados estão tão exaustos… mas a esperança humana glorifica tudo. Eles ouviram um grito de baixo de uma pilha de escombros e logo estavam de pé somando forças para resgatar o raro sobrevivente.
Era um garoto. Ainda com a espada longa em mãos.
[Albion]
Albion lembra-se do desastre em Brastav. Sua terra natal jogada às cinzas e destroços. A chuva de sangue e carne. Aliados virando inimigos trôpegos e famintos. Sete muralhas poderosas, arrancadas pelas mãos colossais daquelas coisas vindas do céu, plantadas na terra e erguidas para a destruição. Seu irmão caíra ao seu lado, com um ferrão no peito e outros tantos mais atravessando-lhe o corpo.
O irmão de Albion havia sido um dos últimos humanos à ser abençoado com os poderes de paladino de Splendor. Uma das últimas esperanças daquela guerra, um realizador de grandes feitos… Albion sempre tenta lembrar-se desses feitos e de um pouco da sua infância, mas todas as lembranças se remetem ao corpo de seu irmão estirado no chão ao seu lado. Ele, o sobrevivente, soluçando de tanto chorar e tendo que tomar a decisão mais difícil de sua vida. Com uma espada curta cravada numa pedra à distância de seu braço, Albion decepou a cabeça de seu ente e tornou a ficar paralisado encharcando-se de lágrimas e sangue, enquanto explosões e asas de morcego gigante criavam uma sombra eterna em suas lembranças.
Seu irmão retornou marcado pela mácula, mesmo assim.
[Aranel]
Aranel presenciou mil e uma mortes. Por alguma razão, se sentia culpado por todas. Selloth que santificasse suas lágrimas, para que elas pudessem ser o alívio de todas essas vidas tomadas pela escuridão que o perscruta.
Olhou para a coroa de fogo (o sol) e se sentiu envergonhado por compartilhar tal vislumbre com tantos outros. Pecador. Mas, Selloth não o havia abandonado. Redentor. Por isso, Aranel firmava os punhos e confiava em suas orações. Caçava os acólitos dos deuses vis.
Sua falta de autopiedade havia fortificado sua mente durante as longas torturas nas câmaras de Zarast, quando arrancavam-lhe tiras de pele e o faziam sangrar para produzir a dor líquida. Merecia ele sofrer por ter feito aquela súcubo tocar tanto poder. Ela o visitou, certo dia, em sua prisão de agonia, e o peito de Aranel bateu, mergulhado numa ânsia apaixonada e proibida. Ela o acariciou e ele resistiu. Seu olho esquerdo, então, foi arrancado.
Aranel sente a ardência no vazio em seu rosto desde então. Todas as vezes que ele encara o pecado.
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