Kaiross
achava engraçado como cogumelos pareciam com pênis. Se a teoria dele estivesse
certa, Chattur’gah tinha um milhão de partes fálicas espalhadas, plantadas ao
redor de raízes ou presas como sujeira nas axilas das árvores. Achava ainda
mais engraçado o fato de ele fumar aquelas coisas.
Soprou
a fumaça esverdeada do seu cachimbo de três ranhuras e riu, mostrando seus
dentes amarelos e seu contentamento débil. Uma dezena de folhas caíram das
árvores e foram guiadas pelo vento, mas Kaiross atribuiu aquele acontecimento
ao caleidoscópio de cores perturbadoras que se propagava ao redor de seus olhos
e fazia uma dezena de gafanhotos dançantes rodopiarem no ar enquanto tocavam
violinos.
-
Tem certeza que esse é o cara que Asafe nos recomendou? – reclamou Jack,
ensimesmado.
Aramyn
teve que afirmar, mesmo concordando com a desconfiança do halfling. – Parece
brincadeira, mas esta é a única clareira habitada nessa região. – Khali pôde
confirmar isso.
O
grupo analisou os arredores e pareceu intrigado com o significado da palavra
“habitável”. Aquele lugar era um antro do caos. Não era um local que algum
deles pudesse considerar lar, mas, tinham que concordar numa coisa: parecia uma
casa perfeita para a criatura feita de folhas e galhos que estavam assistindo
fumar cogumelos.
As
árvores se entrelaçavam como se estivessem numa eterna ciranda, de braços-galhos
unidos, protegendo um trio de pedras pontiagudas encrustadas de símbolos
xamânicos. Gaiolas cúbicas feitas de madeira com ossos de galinha pendurados,
aprisionando pequenos montículos de bonifrates desmontados. Havia também penas
que rodopiavam em espirais num barbante, uma dúzia de potes sujos contendo
vísceras de criaturas aleatórias mergulhadas em água gelatinosa e o cheiro
demasiado adocicado que invadia narinas e tornava tudo mais alucinógeno e
colorido.
Ficaram
ali, esperando uma reação. Aramyn já havia sido alertado de como lidar com
pessoas ensandecidas e aquela coisa se encaixava bastante nesse quesito.
Kaiross continuou sorrindo e olhando para o nada acima de seus olhos enquanto
seguia um rastro invisível no ar – Dance para mim, pequena condessa.
-
Agora já chega – Freya se precipitou com o machado em mãos e nem estava
tentando ser ameaçadora – a gente tem um trabalho a fazer antes de chegar na
maldita montanha e eu estou cansada de ficar assistindo esse demente.
-
De quem você tá falando, mulher do machado? – Kaiross respondeu repentinamente,
como se sempre estivesse participando da conversa – Você não sabe que o druida
é uma figura de extrema sabedoria? – ele se levantou imperante e meia dúzia de
folhas tomaram a liberdade de se desprender de sua armadura selvática. – Pois,
eu sou um desses e sei que se vocês estão aqui é porque precisam se humilhar e
pedir a minha indispensável ajuda.
-
Err... sim, Kaiross – adiantou-se Aramyn afastando Jack com um leve toque ao
notar que o pequeno não havia gostado da forma audaciosa com que a coisa-planta
havia se dirigido ao grupo – Nós fomos indicados por Asafe, o vigilante dos
espíritos, até aqui e, sim, precisamos de sua ajuda.
-
Foi isso que eu disse, coroinha – Kaiross desceu de seu patamar de pedra
enquanto escondia às pressas, e a plena vista, sua coleção preciosa de
cogumelos – Agora sabem que eu não estava falando idiotices quando disse que os
druidas são os maiores sábios desse plano – espanou com as mãos a sujeira de
sua vestimenta vistosa de folhas e galhos verdejantes e deu-se a impressão que
ele estava sentado ali a muitos dias.
O
grupo se entreolhou e permaneceu em silêncio. Imaginavam que o druida tinha
mais do que um pequeno discurso a apresentar.
-
Controlem suas malditas mentes e falem logo o que vocês vieram me implorar! – Kaiross
quebrou o silêncio com uma interpretação histérica de bruxo maligno. Alguns
esperaram a risada maquiavélica no final da exclamação, mas isso não aconteceu.
Todos
permaneceram assombrados. Não porque o druida parecia intimidador, mas porque
não sabiam com que palavra começar aquela falácia. Todos sentiram uma repentina
confusão apertar suas mentes. Era a simples presença daquela criatura
inesperada que provocava isso. Uma aura alucinógena que deixava suas sanidades
vulneráveis e, talvez, a causa disso fosse aquele olho. O olho esquerdo. Todos
notaram que aquela órbita amarela lutava em saltar das pálpebras do druida e se
movimentava rapidamente, a íris perscrutando um espaço diferente a cada
piscadela paranoica.
-
Nós perdemos um aliado recentemente. Alguém que julgamos indispensável para a
nossa última luta. Sua alma ainda perambula pelas redondezas dos portões de mármore
de sua raça e decidimos resgatá-la – respondeu Aramyn, com uma curiosa
dificuldade de encontrar as palavras no meio da explicação.
-
Hum. – Kaiross levou a mão ao queixo e por poucos segundos pareceu se esforçar
para tomar uma decisão – Tudo bem – e quando teve, enfim, sua meteórica
decisão, o simples dar de ombros da criatura-planta chocou até o menos
interessado em julgar caráteres (Varuz, é claro).
Kaiross
abriu caminho entre os heróis, praticamente desfilando entre eles e,
minuciosamente, os obrigando a se afastar enquanto tomava um rumo totalmente
desconhecido. O tempo que levou para um dos heróis reagir foi bem maior do que o
tempo de decisão do druida.
-
É isso? – vociferou Freya – “Tudo bem”?
Kaiross
encerrou sua leve caminhada e disse – Vocês são o grupo que está indo até as
Montanhas Tempestuosas enfrentar a primeira maldição, não é isso? – perguntou ainda
de costas a todos.
-
Bem... é isso – respondeu Khali, quando percebeu que Freya não iria responder.
-
Algumas loucuras são imperdíveis – Kaiross respondeu e, apesar de todos do
grupo observarem o druida de costas, todos tiveram a impressão de que a
criatura-planta esboçava um sádico sorriso amarelo de contentamento. Mesmo
Azanthe e o Ceifador, reclusos em seus espaços vazios e afastados, retribuíram
os olhares de dúvida compartilhados entre o grupo.
-
Então... – continuou Kaiross, alheio à desordem que ele provocava - ... alguém
pode se encarregar do caminho? Estou completamente perdido.
(Um
sábio druida perdido na floresta que é o seu lar?)
Depois
de um dar de ombros, Khali precipitou-se acompanhado por Freya.
-
Então, coroinha, me diz onde exatamente vocês precisam de meu precioso e
ilimitado auxílio – Kaiross iniciou o assunto imediatamente logo depois de seus
três primeiros passos e todos tiveram a impressão de que ele fazia amigos
rápido (apesar de seu atípico comportamento).
-
Bem, não sabemos. Asafe nos falou de um fogo que nunca se apagava e...
-
Oh sim! A chama eterna... – Kaiross interrompeu admirado – isso vai ser
intrigante – pôs o braço ao redor do pescoço de Azanthe e continuou a caminhada
para através das árvores. Íntimo. – Você gosta de cogumelos?
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